O plano cobre
Todo pobre tem problema
de pressão. Seja real ou imaginário. É uma coisa impressionante. E todos
têm fascinação por aferir (verificar) a pressão constantemente. Pobre
desmaia em velório, tem queda ou pico de pressão. Em churrascos, não.
Atualmente, com as facilidades que os planos de saúde oferecem, fazer
exames tornou-se um programa sofisticado. Hemograma completo, chapa do
pulmão, ressonância magnética e etc. Acontece que o pobre – normalmente –
alega que se não tomar café da manhã tem queda de pressão.
Como o hemograma
completo exige jejum de 8 ou 12 horas, o pobre, sempre bem arrumado,
chega bem cedo no laboratório, pega sua senha, já suando de emoção (uma
mistura de medo e prazer, como se estivesse entrando pela primeira vez
em um avião) e fica obcecado pelo lanchinho que o laboratório oferece
gratuitamente depois da coleta. Deve ser o ambiente. Piso brilhante de
porcelanato, ar condicionado, TV ligada na Globo, pessoas uniformizadas.
O pobre provavelmente se sente em um cenário de novela.
Normalmente, se arruma
para ir a consultas médicas e aos laboratórios. É comum ver crianças e
bebês com laçarotes enormes na cabeça e tênis da GAP sentados no colo de
suas mães de cabelos lisos (porque atualmente, no Brasil, não existem
mais pessoas de cabelos cacheados) e barriga marcada na camiseta
agarrada.
O pobre quer ter uma
doença. Problema na tireoide, por exemplo, está na moda. É quase chique.
Outro dia assisti um programa da Globo, chamado Bem-Estar.
Interessantíssimo. Parece um programa infantil. A apresentadora cola
coisas em um painel, separando o que faz bem e o que faz mal dependendo
do caso que esteja sendo discutido. O caso normalmente é a dúvida de
algum pobre. Coisas do tipo “tenho cisto no ovário e quero saber se
posso engravidar”. Porque a grande preocupação do pobre é procriar. O
programa é educativo, chega a ser divertido.
Voltando ao exame de
sangue, vale lembrar que todo pobre fica tonto depois de tirar o sangue.
Evita trabalhar naquele dia. Faz drama, fica de cama.
Eu acho que o sonho de
muitos pobres é ter nódulos. O avanço da medicina – que me amedronta a
cada dia porque eu não quero viver 120 anos – conquistou o coração dos
financeiramente prejudicados. É uma espécie de glamourização da doença.
Faz o exame, espera o resultado, reza para que o nódulo não seja
cancerígeno. Conta para a família inteira, mostra a cicatriz da
cirurgia.
Acho que não conheço
nenhuma empregada doméstica que esteja sempre com atacada da ciática
[leia-se nervo ciático inflamado]. Ah! Eles também têm colesterol
[leia-se colesterol alto] e alegam “estar com o sistema nervoso” quando o
médico se atreve a dizer que o problema pode ser emocional.
O que me fascina é que o interesse deles é o diagnóstico.
O tratamento é secundário, apesar deles também apresentarem certo fascínio pelos genéricos.
Mesmo “com colesterol”
continuam comendo pastel de camarão com catupiry [não existe um pobre na
face da terra que não seja fascinado por camarão] e, no final de
semana, todo mundo enche a cara no churrasco ao som de “deixar a vida me
levar, vida leva eu” debaixo de um calor de 48 graus.
Pressão: 12 por 8
Como são felizes. Babo de inveja.
Fonte: Pragmatismo Político
VEJA TAMBÉM:
http://parnaibanomundo.blogspot.com.br/2015/01/governo-aumenta-impostos-e-fala-em.html
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