sexta-feira, 10 de junho de 2016

INVOCAÇÃO DO MAL 2


O medo que pega e não larga

Costumo dizer que o terror é até mais pessoal do que o humor: é a bagagem que cada um carrega consigo para o cinema que vai em grande medida determinar se o que se sente no escuro é tédio, susto ou medo. Pois bem, esta pessoa aqui, uma fã calejada de filmes de terror e hoje em dia uma espectadora quase imune aos efeitos que eles provocam, sentiu não só medo, como pavor, em Invocação do Mal 2. E, no entanto, em vários colegas meus que foram à mesma sessão, o filme não fez nem cócegas.
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DivulgaçãoAinda que eu não tenha como prever as reações alheias a esta sequência do filme de 2013, porém, posso afirmar com segurança que, desde que deixou para trás os sustos fáceis de Jogos Mortais eSobrenatural, o diretor James Wan se revelou um dos grandes talentos do gênero. Malaio de origem chinesa criado na Austrália e hoje radicado nos Estados Unidos, Wan, de 39 anos, tem uma sensibilidade para o medo parecida com a de David Robert Mitchell, de Corrente do Mal, e Robert Eggers, de A Bruxa. Mas, se não ganha deles em originalidade, supera-os em desenvoltura. No primeiro Invocação e neste segundo, o mal é algo insidioso, que vai aos poucos se intrometendo na normalidade até aniquilá-la – e o senso de ritmo com que Wan articula esse crescendo é virtuosístico, assim com sua câmera, sempre colocada no lugar certo para mostrar apenas o suficiente e deixar um bocado de espaço, no quadro, para o espectador completar com sua imaginação (e a minha, ao menos, vê sempre as piores coisas quando deixada assim à solta).
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Novamente estão aqui em evidência Ed e Lorraine Warren (Patrick Wilson e Vera Farmiga), os mais célebres caça-fantasmas americanos, em mais um caso fartamente noticiado na época em que ocorreu. Entre 1977 e 1978, no subúrbio de Enfield, zona norte de Londres, a casa da família Hodgson, moradia de uma mãe e seus quatro filhos, foi alvo de incontáveis manchetes em tablóides. Eis a crônica do chamado “poltergeist de Enfield”, que Wan segue fielmente no filme: depois de ser várias vezes acordada no meio da noite pela filha Janet, de 11 anos (Madison Wolfe), com episódios de sonambulismo ou relatos de acontecimentos estranhos, a dona de casa Peggy Hodgson (Frances O’Connor) começou a dar crédito às queixas das crianças – viu uma cômoda andar sozinha no quarto de Janet seguidas vezes, enquanto pancadas muito sonoras podiam ser ouvidas pelas paredes. A polícia foi chamada; a dupla de patrulheiros saiu correndo depois de ouvir novas pancadas e ver uma cadeira de cozinha exibir o mesmo comportamento petulante da cômoda. Mas a ocorrência foi registrada, a imprensa ficou sabendo, e o circo começou – ao mesmo tempo em que os acontecimentos estranhos se multiplicavam em frequência e intensidade.
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De acordo com testemunhos como o de Maurice Grosse (Simon McBurney), um industrial filiado a sociedades de pesquisa do oculto, ele em diversas ocasiões viu móveis pesados, como sofás ou mesas de cozinha, serem arremessados contra as paredes, ou observou objetos girando loucamente no ar. Janet levitava, era jogada no ar e falava com a voz rouca e o sotaque pesado de um velho, que a certa altura teria se identificado como Bill Wilkins, antigo morador do imóvel – e muito disso teria sido gravado, filmado e fotografado. Digo “teria sido” por razões óbvias: embora sejam um tanto arrepiantes, os registros de áudio e imagem deixam margem a uma infinidade de interpretações. Para a policial feminina que primeirou atendeu o caso e para Maurice Grosse, que décadas depois continuavam confirmando seus relatos, esses registros seriam provas de atividade sobrenatural; para Anita Gregory (Franka Potente), outra estudiosa que acompanhou o desenrolar do episódio, eles não passariam de falsificações grosseiras.
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O que importa em um filme de terror, porém, é que no decorrer dele considere-se a possibilidade do sobrenatural, e que ela persista até o desfecho. E, nesse ponto,Invocação 2 é exemplar. A fragilidade de Peggy Hodgson e seus filhos é tocante; o pai largou a família, o dinheiro acabou, a casa é uma manifestação física do abandono: as paredes parecem vivas de tanto mofo, a tinta está descascando, os carpetes estão gastos e os móveis, no osso. Os canos vazam, as luzes não se acendem, o porão está inundado de água suja. Peggy e as crianças estão literalmente naufragando. A hipótese de que eles tenham sucumbido ao desespero e embarcado numa espécie de loucura familiar é de partir o coração – e James Wan nunca a tira do jogo completamente. Uma cena sensacional, por exemplo, é aquela em que Ed Warren entrevista a entidade que naquele momento estaria ocupando o corpo da pequena Janet: ambos estão em quadro, mas o foco está no rosto limpo e calmo de Ed; Janet, no canto direito da tela, não passa de um vulto embaçado.
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Dependendo das convicções pessoais do espectador, a outra hipótese, a de possessão, nem mesmo existe. Mas – e é esse “mas” que um bom cineasta de terror explora naquelas duas horas de projeção – digamos que ela seja possível, e que por Peggy e as crianças serem assim tão vulneráveis tenha sido fácil a algo de ruim ocupar sua casa. Essa é a ideia que assusta, a de que mesmo as fraquezas mais inocentes e involuntárias possam servir de convite ao mal. É por causa do talento de Wan para expandir essa zona de incerteza, e por causa de sua empatia para com figuras tão abatidas e exaustas quanto os Hodgson, que Invocação do Mal 2 me pegou, e até agora ainda não me largou.
Fonte: Blog Isabela Boscov 

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