No segundo semestre do ano passado, o Programa de Depressão na
Infância e na Adolescência (Prodia) do Hospital de Clínicas visitou
escolas estaduais da área central de Porto Alegre para aplicar um
questionário confidencial sobre sintomas depressivos. Participaram 1.065
estudantes de 14 a 16 anos. O estudo, ainda inédito, revelou que 8,5%
dos adolescentes já haviam pensado em se matar. Entre as meninas, o
índice chegava a 12,3%.
Esse resultado pode assustar os leigos, mas é recebido sem surpresa pelos especialistas.
–
É um índice elevado, mas já se sabe que a ideação suicida não é um
fenômeno raro na adolescência. A pesquisa mostra que não é um problema
negligenciável – alerta o psiquiatra Christian Kieling, coordenador do
Prodia.
Um estudo norte-americano feito em escolas de Ensino Médio, por
exemplo, apontou que 17,7% dos estudantes já pensaram seriamente em se
matar, 8,6% fizeram tentativas e 2,8% tiveram de ser atendidos por algum
profissional de saúde, por causa das consequências do ato. Segundo o
psiquiatra Ricardo Nogueira, coordenador do Centro de Promoção da Vida e
Prevenção do Suicídio do Hospital Mãe de Deus, o suicídio é hoje no Rio
Grande do Sul a principal causa de morte entre meninas de 14 a 19 anos e
a terceira causa entre os garotos, atrás da homicídio e do trânsito.
– Está cada vez mais precoce e está aumentando principalmente entre as meninas – afirma o médico.
Nogueira
cita um outro dado alarmante: conforme os registros do Centro de
Informações Toxicológicas do Estado, ocorreu um crescimento de 44,4% nas
tentativas de suicídio por intoxicação medicamentosa na faixa etária
dos 14 aos 18 anos, no período entre 2008 e 2013. Uma série de outras
pesquisas sugere que o fenômeno do suicídio adolescente esteja em
ascensão. Nos Estados Unidos, o crescimento teria sido de 25%, a partir
de 1999 – chegando a 75% entre as garotas. No Brasil, dados do Mapa da
Violência do Ministério da Saúde indicam crescimento das taxas de
suicídio, entre 2002 e 2012, de 44% dos 10 aos 14 anos e de 33,5% dos 15
aos 19 anos.
De acordo com Ricardo Nogueira, a
prevalência da depressão e do suicídio está relacionada a adolescentes
cada vez mais desprotegidos e vulneráveis, em grande parte devido à
falta de estrutura familiar:
– Outro dia, atendemos um
menino de oito anos que estava tentando se matar porque ninguém dava
atenção pra ele, ninguém conversava com ele. Os adolescentes são vítimas
de perda, de abandono e de rejeição. Eles estão atirados. Os pais
ignoram, não veem, não falam com os filhos. Isso acontece na classe
média, na classe média alta. Se esses jovens não têm pai e não têm mãe,
quem é que eles procuram? Eles vão para a internet, e lá encontram sites
de suicídio, anorexia, bulimia. Temos de parar e questionar: por que as
crianças estão se matando?
Os casos que chegam às
clínicas costumam repetir certos padrões. Nesta semana, por exemplo,
Nogueira tinha internadas duas meninas que engravidaram, tentaram
abortar e não conseguiram. Por causa disso, fizeram tentativas de se
matar. Uma proporção expressiva dos casos envolve ainda, segundo
especialistas, abusos sexuais e físicos, frequentemente praticados no
âmbito doméstico, por algum familiar.
Essas e outras
características tornam as situações envolvendo adolescentes mais
complicadas do que aquelas entre adultos, diz Rafael Moreno Ferro
Araújo, coordenador do Comitê de Prevenção do Suicídio da Associação de
Psiquiatria do Rio Grande do Sul (APRS):
– O tratamento
é mais complexo, porque a medicação e a terapia funcionam menos. E
muitas vezes tem de ter a abordagem da família, porque a maioria dos
casos de suicídio na adolescência envolve questões de maus tratos. Temos
abuso por parte dos pais em 80% dos casos, seja sexual, abuso físico ou
negligência. Medicar e tratar o adolescente de forma isolada não
funciona.
Perceber que algo está errado também pode ser
complicado. O psiquiatra observa que a depressão na adolescência não se
manifesta como no adulto:
– O adolescente pode estar superdeprimido, pensando em se matar, e continuar indo para o colégio, fazendo festa com os amigos.
Sinais para serem observados
Um
fenômeno que está preocupando cada vez mais os profissionais da área de
saúde mental que atendem adolescentes é o aparente crescimento dos
casos de automutilação. Tem se tornado comum que, diante de frustrações,
garotos e garotas reagem fazendo cortes no próprio corpo. Pesquisas
internacionais apontam que entre 16% e 23% dos adolescentes tenham
práticas autolesivas.
– É preciso chamar a atenção para isso, porque está quase generalizado – alerta o psiquiatra Ricardo Nogueira.
Estar atento à automutilação é importante porque ela pode ser um sinal precoce do risco de suicídio.
–
O comportamento automutilatório é um dos primeiros que podem ocorrer
antes de uma tentativa de suicídio. É um dos poucos sinais que a gente
tem em psicologia da adolescência que predizem que aquele jovem vai
tentar o suicídio dentro de alguns meses. São jovens que sentem emoções
desagradáveis, como frustração, tristeza, medo, raiva, não sabem lidar e
acabam se cortando para aliviar essas emoções. No momento que o
adolescente se corta, são liberados opioides no sangue, anestesiando a
emoção ruim – observa Rafael Moreno Ferro Araújo, coordenador do Comitê
de Prevenção do Suicídio da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do
Sul (APRS).
O psiquiatra orienta os pais a ficarem
atentos a alterações comportamentais que podem lançar suspeitas sobre a
automutilação, como presença de cicatrizes ou uso de roupas compridas em
períodos de calor. Outros sinais de atenção, para a depressão ou mesmo o
risco de atentar contra a vida, são o isolamento, o retraimento social e
o bullying – quem pratica também tem mais risco de cometer suicídio.
–
A tentativa de suicídio não é uma coisa que acontece de uma hora para
outra na adolescência. É um processo que leva meses. Em geral, do início
da vontade de se matar até a tentativa passam uns seis meses – alerta
Araújo.
ONDE BUSCAR AJUDA
Centro de Valorização da Vida
Oferece ajuda por telefone, chat, skype, e-mail e presencialmente
Telefones 141 (24 horas, para todo o país) e 188 (gratuito, apenas para o RS) www.cvv.org.br facebook.com/cvv141
Oferece ajuda por telefone, chat, skype, e-mail e presencialmente
Telefones 141 (24 horas, para todo o país) e 188 (gratuito, apenas para o RS) www.cvv.org.br facebook.com/cvv141
– O Programa de Depressão na Infância e Adolescência do Hospital
de Clínicas de Porto Alegre tem limitações de atendimento, mas é
possível pedir encaminhamento para lá em qualquer posto de saúde pública
SITES COM ORIENTAÇÃO
> Setembro Amarelo
> Movimento Conte Comigo
> Associação Brasileira de Estudos e Prevenção ao Suicídio
> Cartilha Suicídio: Informando para prevenir
Produzida pela Associação Brasileira de Psiquiatria e do Conselho Federal de Medicina. Disponível no site do CVV, na aba Conheça Mais ou em zhora.co/cartilha-prevenir
> Movimento Conte Comigo
> Associação Brasileira de Estudos e Prevenção ao Suicídio
> Cartilha Suicídio: Informando para prevenir
Produzida pela Associação Brasileira de Psiquiatria e do Conselho Federal de Medicina. Disponível no site do CVV, na aba Conheça Mais ou em zhora.co/cartilha-prevenir
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