Uma doença misteriosa que só afeta crianças refugiadas ou que pediram asilointriga autoridades de saúde da Suécia. De acordo com informações da rede britânica BBC, crianças com a síndrome da resignação simplesmente ‘desligam’- param de andar, falar e abrir os olhos. A boa notícia é que muitas delas se recuperam, eventualmente.
A síndrome foi relatada pela primeira vez na Suécia, nos anos 1990. Alguns anos depois, no biênio 2003-05, mais de 400 casos foram registrados. Felizmente, na última década, o número de crianças afetadas pela condição diminuiu. Recentemente, o equivalente sueco ao Ministério da Saúde divulgou que no biênio 2015-16 houve 169 casos registrados.
or que na Suécia?
Inúmeras condições parecidas com a síndrome da resignação já foram observadas antes, entre sobreviventes de campos de concentração nazistas, por exemplo, mas a condição em si só foi relatada na Suécia. Acredita-se que isso esteja associado ao grande contingente de imigrantes provenientes de perfis geográficos e étnicos mais vulneráveis do país.
“Pelo que sabemos, nenhum caso foi identificado fora da Suécia. A explicação mais plausível é que existem alguns tipos de fatores socioculturais necessários para que a condição se desenvolva”, diz Karl Sallin, pediatra do Hospital Universitário Karolinska, em Estocolmo, na Suécia, pesquisador sobre a Síndrome da Resignação.
A doença parece afetar crianças exatamente com esse perfil, provenientes principalmente da antiga União Soviética, dos Balcãs, ciganas e yazidis, e que vivem com suas famílias. Apenas um pequeno número é de crianças desacompanhadas, muito poucas são asiáticas e nenhuma africana.
Trauma e ‘transmissão’
Segundo os profissionais de saúde que atendem esses pacientes, o trauma é a causa deste afastamento. As mais vulneráveis são as que passaram por episódios de violência extrema ou cujas famílias fugiram de ambientes perigosos.
“O primeiro caso da doença foi registrado em 1998, no norte da Suécia e, assim que se tornou público, houve outras ocorrências na mesma área. Tivemos ainda casos de irmãos desenvolvendo a condição”, afirma Karl Sallin, pediatra do Hospital Universitário Karolinska, em Estocolmo, na Suécia, pesquisador sobre a Síndrome da Resignação. Mas o médico ressalta que até nunca foi detectada uma “transmissão” por contato direto entre os casos.
O caso Sophie
Sophie, que teve seu nome real alterado para a segurança da família, tem nove anos e vive há 20 meses com a síndrome. A menina e sua família são originários de uma das antigas repúblicas da União Soviética e pediram asilo à Suécia em dezembro de 2015, após fugirem da máfia local.
Em setembro daquele ano, o carro em que a família viajava foi parado por homens em uniformes policiais. “Fomos retirados do carro à força. Sophie viu sua mãe e seu pai serem espancados”, conta o pai da menina. Depois de libertar a mãe, os homens levaram o pai embora.
Sua mãe conta que Sophie ficou transtornada com o sequestro do pai. Três dias mais tarde, ele fez contato com a família, que permaneceu escondida em casas de amigos até viajar para a Suécia, três meses depois. Ao chegarem ao novo país, mais um trauma: a família foi detida por horas pela polícia local e logo em seguida teve negado o pedido de asilo, em uma audiência na qual Sophie esteve presente.
Segundo sua mãe, a partir desse episódio a saúde da menina se deteriorou rapidamente. Ela parou de brincar, falar e comer. Para Elisabeth Hultcrantz, voluntária da ONG Médicos do Mundo, que cuida de Sophie, “o mundo foi tão terrível que Sophie trancou-se dentro de si própria, desconectando as partes conscientes de seu cérebro”.
Atualmente, a família tem uma autorização provisória para ficar no Suécia e vive em uma acomodação destinada a refugiados, localizada em uma pequena cidade na região central do país nórdico.
Quando seu pai a retira da cadeira de rodas, ela parece sem vida. Mas seu cabelo é espesso e brilha como o de uma criança saudável. Os olhos de Sophie estão fechados e, em vez de calcinhas, ela usa fraldas por baixo da calça de moletom. Uma sonda gástrica adentra seu nariz.
“A pressão sanguínea dela é normal. Mas seu pulso está um pouco acelerado hoje. Talvez ela esteja reagindo à visita de muitas pessoas hoje”, diz Elisabeth à BBC.
Ao contrário de Sophie, as crianças com a síndrome normalmente vivem na Suécia há anos quando ficam doentes, e já viviam vidas adaptadas ao estilo nórdico, falando até a língua local.
Recuperação
Os médicos que cuidam de Sophie acreditam que a menina só vai melhorar quando a família obtiver permissão permanente para viver na Suécia, pois só assim ela se sentirá segura o suficiente para ‘voltar ao mundo’. “De certa forma, a criança vai precisar sentir que há esperança, algo para que valha a pena viver. Essa é a única maneira de explicar como, em todos os casos que vi até agora, o direito de permanecer no país pode mudar a situação”, diz Lars Dagson, pediatra de Sophie.
No entanto, isso está cada vez mais difícil de se torna realidade. Até recentemente, as autoridades suecas permitiram que famílias imigrantes com uma criança doente permanecessem. Mas a chegada de mais de 300.000 pessoas nos últimos três anos mudou esse cenário. Uma lei temporária que entrou em vigor em 2016 determina que solicitantes de asilo candidatos à residência permanente recebem vistos com duração 13 meses – caso da família de Sophie – ou três anos.
O visto da família de Sophie vence em março e a família teme ser deportada e eventualmente encontrada pelos homens que a fizeram fugir.
Segurança é a chave para um tratamento de sucesso
Por outro lado, profissionais de Skara, no sul do país, têm outra perspectiva, com evidências mais promissoras de cura. “Do nosso ponto de vista, essa doença está ligada ao trauma, não ao asilo”, diz Annica Carlshamre, assistente social da Gryning Health, que administra Solsidan, um abrigo para crianças com problemas.
Os especialistas do local acreditam que crianças perdem sua mais significativa conexão com o mundo quando testemunham violência ou ameaça contra os pais e perdem. “A criança percebe que ‘minha mãe não pode tomar conta de mim’. E perde a esperança porque sabem que são totalmente dependentes dos pais. Quando isso acontece, para onde a criança pode ir – ou a quem pode recorrer?”, explica Annica.
O primeiro passo do tratamento é separar as crianças dos pais para que elas dependam dos funcionários. “Ao separarmos as crianças, leva apenas alguns dias até vermos os primeiros sinais de melhora”, diz Annica. As crianças recebem notícias sobre o progresso dos filhos, mas ficam sem qualquer contato até que a criança consiga se comunicar por telefone.
No abrigo, conversas sobre o processo migratório são terminantemente proibidas. As crianças recebem roupas diurnas e noturnas e são retiradas das camas todos os dias. Funcionários ajudam-nas a colorir ou desenhar, segurando o lápis em suas mãos.
“Brincamos por elas até que possam brincar sozinhas. Dançamos e ouvimos muita música. Queremos despertar seus sentidos. Colocamos um pouco de refrigerante em suas bocas para que provem algo doce. As que estão sendo alimentadas por sonda, a gente coloca na cozinha para sentirem cheiro de comida. Temos a expectativa de que elas queiram viver e sabemos que suas habilidades ainda estão ali, mas as crianças se esqueceram delas ou ou não conseguem mais usá-las. Vivemos pelas crianças até que elas consigam viver por si próprias.”, explica Clara Ogren, funcionária do abrigo.
Das 35 crianças que Anicca tratou, apenas uma delas teve permissão para ficar na Suécia enquanto ainda estava em Solsidan, mas todas se recuperaram.
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