Beyoncé tem o BeyHive e Nicki Minhaj o Barbz, grupos de fãs que formam multidões online para enfrentar qualquer pessoa que ouse criticar seus ídolos. Os Deadheads talvez tenham sido o protótipo, se bem que hoje em dia é mais provável que se digladiem.
Mas hoje, na era dos superfãs do século 21, é possível que nenhum coletivo de fãs seja mais enfático, organizado e empolgado online que os devotos de Michael Jackson, o rei do pop cujo legado inclui décadas de acusações e processos judiciais sobre o que ele teria ou não feito com meninos. Em blogs, murais de mensagens, podcasts, vídeos no YouTube e especialmente em feeds de redes sociais, em que um avatar de Jackson anuncia a lealdade do usuário ao artista, os fãs circulam evidências exaustivas que consideram ser suficientes para absolver o cantor. Ao mesmo tempo procuram soterrar a voz de veículos que, para eles, noticiam ideias incorretas ou enviesadas sobre ele.
A luta deles estava se preparando havia semanas, mas deslanchou para valer no domingo, quando foi ao ar a primeira parte de “Leaving Neverland”, documentário da HBO sobre dois homens que dizem que Michael Jackson abusou sexualmente deles muitas vezes quando eram crianças. Anúncios espalhados sobre ônibus em Londres declaram que MJ é inocente e outdoors digitais nos Estados Unidos proclamam: “Os fatos não mentem. As pessoas, sim.” Sob a hashtag #MJFam, dezenas de contas de fãs no Twitter incentivam usuários a optar por outros programas em vez do filme, instruindo seus seguidores a ouvir a música de Jackson em lugar de assistir ao filme. E na noite de domingo fãs inundaram a hasthag #LeavingNeverland com milhares de tuites, dominando a discussão do filme –que descreveram como “mockumentary” (paródia de documentário) — e atacando os dois homens ao centro dele.
Dan Reed, o diretor de “Leaving Neverland”, que terminará de ser mostrado nesta segunda-feira, disse que sua empresa recebeu “dúzias e dúzias e dúzias e dúzias” de e-mails de fãs de Jackson –um “dilúvio de ódio” que começou 20 minutos depois de o filme ser anunciado, em janeiro. Ele e os dois homens ao centro do filme, Wade Robson e James Safechuck, disseram que alguns fãs levaram as críticas ainda mais longe, com ameaças de violência.
“Só dá para compará-los com fanáticos religiosos, realmente”, disse Reed. “Eles são o Estado Islâmico dos fãs.”
Os defensores de Michael Jackson não enxergam as coisas assim. Desde que acusações lançadas ao cantor em 1993 por um garoto e sua família terminaram com um acordo extrajudicial de US$23 milhões, o argumento “oficial” apresentado pelos fãs é que quaisquer outras acusações não passam de tentativas de extorsão feitas por pessoas determinadas a sujar o nome de Jackson e explorar a ingenuidade dele. Um segmento específico dos fãs de Jackson espera comprovar sua inocência e para isso se debruça sobre os detalhes mais minuciosos da vida do cantor e dos processos judiciais do qual foi alvo, incluindo o processo de 2005 em que ele foi inocentado da acusação de ter molestado outro menino. Esses fãs –que abrangem jovens e velhos, pessoas espalhadas pelo mundo, de Queensland, na Austrália, a Huntsville, Alabama, passando por Moscou — enxergam “Leaving Neverland” como um trabalho de crítica destrutiva manipulativa e unilateral que requenta acusações antigas feitas por fontes inconsistentes.
O filme converteu algo que durante anos foi uma obsessão de nicho de muitos fãs de Michael Jackson em uma batalha que ocupa o centro do palco.
“Se você é fã há muito tempo, já viu isso ressurgir um monte de vezes”, comentou o músico e YouTuber Casey Rain, 30 anos, de Birmingham, na Inglaterra. Para ele, “Leaving Neverland” é “uma tentativa doentia de pegar carona no movimento Me Too”.
Muitos fãs de Jackson recorrem a mensagens de ódio anônimas e indiscriminadas que têm como alvos jornalistas e acusadores de Jackson. Outros, como Rain, demonstram sua devoção ao cantor de maneiras mais profundas, montando vídeos detalhados e construindo polêmicas épicas que reúnem documentos judiciais e entrevistas obscuras, para então compartilhar e recompartilhar seu trabalho em plataformas múltiplas.
“Não há nada sobre Michael que a comunidade dos fãs não saiba”, disse Rain, cujo blog post sobre “Leaving Neverland” virou um texto de leitura imprescindível antes mesmo de o documentário ir ao ar.
“Realmente acho que não nos falta objetividade em relação a ele.” (Rain e outros que ainda não haviam visto o filme disseram que suas informações vieram de alguns poucos fãs de Jackson que assistiram à première de “Leaving Neverland” no festival Sundance e “fizeram anotações muito detalhadas”). Susanne Baur e Elena Ovchinnikova, co-autoras do blog “Vindicating Michael”, disseram que preferem nem sequer ser descritas como fãs de Jackson, porque “fã” “tem uma conotação negativa de adoração”, escreveu em e-mail Baur, 60 anos, que vive no sul da Alemanha.
Em vez disso elas se identificam como pesquisadoras e ativistas que encaram Michael Jackson como um caso de direitos civis. Em um post de mais de 10 mil palavras sobre “Leaving Neverland”, Ovchinnikova, que tem 65 anos e vive em Moscou, decompôs as narrativas mutantes dos dois homens vistos no filme e concluiu que eles são mentirosos.
“A reação da comunidade M.J. online é totalmente apropriada”, disse Ovchinnikova por e-mail. “É a reação de pessoas com conhecimento de um assunto que se veem obrigadas a falar com quem não sabe de nada.”
Linda-Raven Woods, 56 anos, de Huntsville, se descreveu como “ex-metaleira inveterada” cujas dúvidas persistentes em relação à culpa de Jackson, após a morte dele, a levaram para sites de fãs. Persuadida pela amplitude das pesquisas realizadas por fãs, ela se deu conta: “É por isso que o defendem com tanta paixão”, ela disse. Hoje Woods administra a @MJJLegion, uma conta no Twitter que tem mais de 80 mil seguidores e vem preparando-os para rebater o documentário.
Alguns dos apoiadores reconhecem que os detalhes e o caráter exaustivo de seus escritos e seu raciocínio os levam a ser comparados com teóricos conspiratórios, ou, nas palavras de Damien Shields, “uma turba ensandecida”. Mas Shields, autor de um livro sobre a música de Michael Jackson e fã do artista há mais de duas décadas, disse que é tudo uma questão de perspectiva: “Também encaramos a mídia como uma turba ensandecida, em algumas circunstâncias”.
Ele disse que o apoio dos fãs vem do amor e paixão que sentem pelo cantor, comparando os fãs nas redes sociais com Chris Crocker, fã de Britney Spears que gritou “deixem Britney em paz” em um vídeo infame que viralizou.
“São os fãs de Michael Jackson no Twitter multiplicados por 1 milhão”, disse Shields.
Nos casos de Robson e Safechuck, os fãs destacam que ambos haviam testemunhado anteriormente dizendo que Jackson nunca abusara deles e que, mais tarde, tentaram processar os herdeiros do cantor, sem sucesso (há apelações em curso contra as decisões sobre esses processos). Os dois homens disseram que levaram anos para reconhecer que sofreram abuso e que, antes, tinham se sentido pressionados a depor em favor de Jackson. Reed, o diretor de “Leaving Neverland”, disse que o filme intencionalmente mostra “como Wade mudou de ideia e encarou de frente a verdade sobre o que lhe aconteceu” –uma “reavaliação radical do que tudo significou”.
Em entrevista, Robson disse que entende por que muitos fãs ainda se aferram “à persona muito particular e angelical” de Michael Jackson. “Era tão palatável para muitas pessoas, incluindo para mim”, ele disse.
Robson e Safechuck disseram que vêm sendo atacados impiedosamente desde que fizeram suas denúncias. Robson descreveu “milhares de emails ou comentários em redes sociais extremamente incendiários e agressivos”. Eles citaram a intensidade dos defensores de Jackson como uma razão possível por que mais pessoas não vêm a público denunciar o cantor. “É uma coisa que dá muito, muito medo fazer”, disse Robson. Quando a estreia do filme na TV estava se aproximando, alguns fãs lutaram para seguir adiante com a luta pela reputação de seu ídolo e, ao mesmo tempo, se prepararam para vê-lo submetido a escrutínio intenso.
Alguns disseram que iam boicotar o filme porque ele não inclui contexto externo nem entrevistas com defensores de Jackson, mas outros falaram que vão encarar assisti-lo pelo bem da comunidade de fãs.
“Precisamos saber o que estamos enfrentando”, disse Woods, do @MJJLegion.
“Precisamos saber o que estamos enfrentando”, disse Woods, do @MJJLegion.
Shields disse que não pode deixar de encarar os próximos meses com um sentimento de apreensão: “Isto pode literalmente ser o fim de Michael Jackson, isto se alguém em posição de destaque não decidir contar o outro lado da história”, ele comentou.
Enquanto isso, é “quase uma terapia” para os fãs fazerem sua parte para rebater as acusações. “Mesmo que sua parte não chegue a causar impacto real”, disse Shields, “pelo menos eles terão feito o melhor que puderam.”
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